Amadurecendo
Ao nos dar conta que o afeto está em nossos pais, e está disponível da forma como é possível ser passado adiante, percebemos que até pequenas trocas diárias estão cheias de cuidado e atenção. Mas até mesmo isso não importa. Ao amadurecermos, saímos do lugar do juiz impiedoso, a quem os pais nunca conseguem estar à altura. Tornamos-nos novamente filhos, que não estabelecem barreiras para o que os pais estão disponíveis para dar.
A abundância está em não julgar o que nos é passado. Vemos que nossa briga com os pais serve mais a nós, para fugirmos das dores e responsabilidades do crescimento. Temos medo de sermos responsáveis por nós mesmos, sem poder correr ao socorro daqueles que sempre nos protegeram.
A boa notícia: Eles sempre estarão lá. Se não fisicamente, dentro do nosso coração e através de todos os tesouros que nos passaram, entre eles, a vida – nosso maior tesouro.
Você pode estar duvidando disso agora? Muito clichê o que falamos? Então verifique: você trocaria sua vida por algo ou alguma coisa?
Sair do papel julgador da criança inocente abre a porta para que a vida aconteça.
Com esta postura ficamos alinhados com nosso papel e em nosso lugar na nossa rede familiar. Ao permanecermos como filhos que sabem receber o que os pais podem dar, honramos principalmente nossos pais, reconhecendo suas capacidades como genitores. Mas também honramos toda linhagem que conduziu a vida até nós. A cada geração de antepassados, vemos e aceitamos as contribuições para que a vida fizesse seu caminho. E desse ponto, a vida se torna mais leve e fluída, mesmo em situações difíceis. Aprendemos que temos o que é necessário para dar conta da vida que se abre a nossa frente.
Joan Garriga resume esse movimento de forma linda, no livro “Onde estão as moedas”:
“No mais profundo de cada um de nós, por mais graves que sejam as feridas, nós, filhos, seguimos sendo leais a nossos pais, e inevitavelmente os tomamos como modelo e os interiorizamos. De algum modo nos conectamos a uma força que nos faz ser como eles. Por isso, quando somos capazes de amá-los, honrá-los, dignificá-los e respeitá-los, podemos fazer o mesmo com a gente mesmo e ser felizes.”
Ainda que as vezes nos percebemos em movimentos de dores relacionados à nossa família, cabe a cada im de nós entender e aceitar que nossos pais são também imperfeitos, como somos todos.
E que também eles foram crianças com carências e dores no processo de crescimento. A forma que temos para acessar a cura da alma e de nossas carências é parar de exigir deles (e do mundo, por consequência) que nos forneçam mais do possam nos dar.
Aceitar que a vida e nossos pais estão aqui para nos servir com amor dentro do que é necessário para nossa evolução, ainda que por vezes de uma forma que é difícil compreender. Garriga fala da seguinte forma:
“Sabemos que qualquer sofrimento se sustenta sobre boas razões e vem envolvido em argumentos brilhantes. Isso o faz mais vendável, mais justificável. Entretanto, o único sentido do sofrimento, que não é dor, é fazer sofrer os demais.
A solução para o sofrimento é muito simples. Se sabemos que buscamos no lugar inadequado e que isso nos deixa insatisfeitos, talvez possamos corrigir e, finalmente, buscar no lugar adequado, que sempre é com nossos pais e com a integração de nossa história pessoal, ou seja, aprendendo a apreciá-la por mais dolorosa que seja.
Na prática, as dinâmicas familiares e afetivas são muito complexas e sutis e, com frequência, uma crise, a separação, problema com os filhos ou qualquer outro infortúnio costuma ser uma oportunidade para trazer à tona e rever o que é preciso ser recolocado na relação com os pais ou com a família de origem e, com eles, enfrentar os assuntos pendentes.
Quando o caminho com o qual pretendíamos nos encher falha, quando uma crise nos assola, quando um trecho de nosso caminho se esgota, talvez se abra uma oportunidade, sobretudo se somos capazes de permanecer em nossa fragilidade e abrir o coração.
Como todas as pessoas, os pais são mais reais que perfeitos, e é suficiente que sejam assim… Quem exige perfeição fica sozinho, nem sequer tem a si próprio, porque também se acha imperfeito. As ideias de perfeição pertencem ao reino de nossas imagens mentais, mas não à realidade, que seguramente anda pouco preocupada com si mesma e com sua melhoria. É que talvez a realidade seja perfeita por si mesma, tal como é “neste momento”,incluindo nossos desejos de mudá-la, que também são tão reais.
O que ajuda não é muito popular, mas tem efeito e consiste em estar de acordo com a mente, o corpo e a alma, inclusive com a dor que se sente. É estar de acordo no coração com o fato de que as coisas são como são e se abrir emocionalmente a isso.
A maioria das pessoas ama profundamente seus pais e, quando param de se fechar em seus argumentos defensivos, reabrem o coração e superam a dor, voltando a sentir o amor e a ternura que tinham por eles. Também descobrem que um dia os pais foram crianças e que o coração deles também foi frágil e aprendeu a se defender, que viveram da mesma forma suas carências e mágoas.
Bastaria que aceitássemos a dor da mesma forma que outras experiências da vida para estarmos mais perto da serenidade e do amor, que é o que nos faz sentir plenos. O mal-estar interior certamente não se baseia em não ser querido, mas em sermos nós mesmos quem nos rejeita.
Por fim, o que ajuda é cada um estar no lugar que lhe corresponde na cadeia da vida e tomar de seus antecessores a força e a chama vital, em vez de buscar encontrá-la nos posteriores ou nas ilusões mais comuns da vida: a riqueza, o poder ou o afã da notoriedade.”
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